Rombo nas Contas Públicas Atinge R$ 230,5 Bilhões no Primeiro Ano do Governo de Lula, Registrando o Pior Resultado Desde 2020

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Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes para Folhapress

 

No primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as contas do governo central tiveram um rombo de R$ 230,5 bilhões em 2023, o equivalente a 2,12% do PIB (Produto Interno Bruto). Trata-se do pior resultado desde 2020, ano da pandemia de Covid-19. O resultado foi influenciado pela regularização dos precatórios, dívidas judiciais que haviam sido adiadas pela gestão de Jair Bolsonaro (PL). No fim do ano passado, o governo Lula obteve autorização do STF (Supremo Tribunal Federal) para quitar um passivo de R$ 92,4 bilhões.

Mesmo sem o pagamento dos precatórios, o déficit teria sido de R$ 138,1 bilhões —o equivalente a 1,27% do PIB e, ainda assim, o pior desde 2020. Nesta comparação, apenas o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) teve um resultado pior no primeiro ano da gestão. Em 2015, o rombo foi de R$ 183,1 bilhões devido à regularização das chamadas pedaladas fiscais. Em 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro, o déficit foi de R$ 122,6 bilhões. Os valores foram atualizados pela inflação.

O resultado de 2023 foi pior do que a meta traçada informalmente pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), que prometeu entregar um déficit de até 1% do PIB no primeiro ano da administração. Antes mesmo da posse de Lula, o governo atuou no Congresso Nacional para aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que autorizou a ampliação de até R$ 168 bilhões nos gastos em 2023 para recompor ações do Orçamento que estavam estranguladas por cortes de até 95%.

A elevação dos gastos deflagrou uma piora nas expectativas em relação à trajetória fiscal. A equipe econômica chegou a lançar, ainda em janeiro, medidas para tentar recompor as receitas de 2023, mas boa parte não rendeu o esperado ou foi desidratada após longa negociação com o Congresso.

O déficit indica que o governo gastou mais do que arrecadou no ano passado. O dado divulgado nesta segunda-feira (29) agrega estatísticas do Tesouro Nacional, Banco Central e INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). A série foi iniciada em 1997. Para a aferição oficial do cumprimento da meta fiscal, o STF autorizou o governo a descontar os gastos com a regularização dos precatórios.

Por outro lado, o resultado fiscal ainda vai ter uma piora adicional de R$ 26 bilhões, referentes ao resgate de valores abandonados nas contas do Fundo PIS/Pasep. O BC, órgão responsável pelas estatísticas oficiais das finanças públicas, não considera os recursos do fundo como receita primária —uma metodologia distinta da adotada pelo Tesouro Nacional. Por isso, o rombo a ser anunciado pelo BC será ainda maior.

Ainda assim, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) autoriza um rombo de até R$ 213,6 bilhões, o que corresponde a 2% do PIB. Portanto, os números não devem indicar um descumprimento formal da regra. Em seu discurso de posse, em janeiro de 2023, Haddad disse que não iria aceitar um resultado “que não seja melhor do que os absurdos R$ 220 bilhões de déficit previstos no Orçamento”.

A partir daí, a Fazenda traçou a meta informal de 1% do PIB —que em março chegou a virar 0,5%, um objetivo ainda mais ambicioso, mas que logo foi abandonado. Em entrevista coletiva, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que boa parte da piora do fiscal em 2023 se deve ao pagamento de precatórios e outros efeitos extraordinários. “Nossa sinalização para o horizonte de médio prazo é uma reversão dessa tendência”, afirmou.

“Esperamos atingir o equilíbrio ou até [um resultado] positivo nos próximos anos”, acrescentou Ceron. Segundo ele, o governo espera que o movimento de recuperação fiscal “fique mais nítido” em 2024. Mais tarde, Haddad também ressaltou que o rombo nas contas de 2023 decorreu de uma decisão do governo de regularizar passivos deixados pela gestão anterior.

“O resultado é expressão de uma decisão que o governo tomou de pagar o calote que foi dado tanto em precatórios quanto nos governadores em relação ao ICMS sobre combustíveis. Desses R$ 230 bilhões, praticamente metade disso é pagamento de dívida do governo anterior, que poderia ser prorrogada para 2027 e que nós achamos que não era justo com quem quer que fosse o presidente na ocasião”, disse.

Haddad estipulou uma meta de déficit zero para este ano, mas esse objetivo enfrenta ceticismo do mercado financeiro e da própria ala política do governo. Apesar disso, Ceron reiterou que o governo mantém a intenção de zerar o déficit em 2024. “Estamos com metas arrojadas que serão perseguidas”, afirmou o secretário.

Entre as medidas extraordinárias que acentuaram o déficit em 2023, Ceron elencou a antecipação da compensação pelas perdas dos governos regionais após o Congresso, apoiado pelo governo Bolsonaro, limitar as alíquotas de ICMS sobre combustíveis, energia, transporte e telecomunicações.

Em meio à penúria das prefeituras e à demanda por um socorro federal, o governo Lula aceitou antecipar a parcela que seria paga em 2024. O impacto total da transferência foi de R$ 21 bilhões. Houve ainda um aporte de R$ 6,1 bilhões no fundo que vai bancar a nova bolsa para alunos do ensino médio e uma capitalização de R$ 1,4 bilhão no Banco no Nordeste.

Apesar de serem considerados fatores extraordinários pela equipe econômica, o secretário reconheceu que essas três despesas foram feitas por uma decisão de governo. Além disso, não foram só esses gastos que cresceram. Segundo os dados do Tesouro, a despesa com subsídios e subvenções teve uma alta real de 34,4%, de R$ 16,4 bilhões para R$ 22 bilhões. Ceron disse que o aumento é explicado pelas maiores perdas agrícolas geradas por eventos climáticos, o que elevou a fatura do Proagro (seguro rural).

Houve também uma intensificação dos empenhos e pagamentos de despesas pelos ministérios no mês de dezembro, o que reduziu o chamado “empoçamento” —quando os órgãos têm limites disponíveis para gastar, mas não conseguem porque esbarram em restrições técnicas, como problemas de projeto ou licenciamento.

Em novembro, o empoçamento estava em R$ 34,4 bilhões. Já em dezembro, esse valor caiu significativamente, fechando o ano em R$ 19,8 bilhões. A combinação desses fatores com a PEC aprovada na transição de governo e a regularização dos precatórios elevou a despesa total do governo a 19,6% do PIB. É o maior patamar desde 2020, quando ficou em 25,6% do PIB diante da necessidade de abrir os cofres para fazer frente à crise sanitária e econômica.

Sem contabilizar o pagamento das dívidas judiciais, o gasto do primeiro ano do terceiro mandato de Lula teria ficado em 18,75% do PIB, acima do registrado em 2022 (18% do PIB). Por outro lado, o patamar está abaixo dos 19,1% do PIB apontados pela equipe econômica como a média entre 2015 e 2022 (à exceção do ano da pandemia). O governo vinha colocando essa referência comparativa como uma espécie de vacina contra críticas pelo aumento de gastos.

Do lado das receitas, a queda foi de 2,8% em termos reais, influenciadas negativamente por concessões, dividendos de estatais e royalties. A receita com concessões caiu 82%, já descontada a inflação, de R$ 49,7 bilhões para R$ 9 bilhões. Boa parte da diferença vem do fato de que o Tesouro recebeu, em 2022, R$ 26,6 bilhões decorrentes da privatização da Eletrobras, receita que não se repetiu no ano passado.

Já a arrecadação com royalties caiu de R$ 141,2 bilhões em 2022 para R$ 114,9 bilhões, uma perda real de 18,5%. O saldo final foi uma queda da receita líquida do governo, após transferências, de 18,4% do PIB em 2022 para 17,5% do PIB no ano passado. O economista Thiago Sbardelotto, da XP Investimentos, avalia que o resultado, embora já esperado pelo mercado, demonstrou uma piora significativa das contas públicas, mesmo se retirando da conta o pagamento de precatórios e outras despesas extraordinárias.

 

Ele calcula um déficit estrutural de R$ 148 bilhões, o qual o governo precisaria reverter com medidas permanentes. Para Sbardelotto, o secretário do Tesouro “dourou a pílula” ao tentar convencer que o resultado teria ficado próximo à meta informal de 1% do PIB. “Só que não colocaram na conta as receitas extraordinárias que tiveram”, disse ele, lembrando que algumas fontes temporárias de arrecadação não se repetirão em 2024. A XP prevê uma mudança na meta fiscal para um déficit de 0,5% do PIB.

O economista Fabio Serrano, do BTG Pactual, lembra que, na época da tramitação da PEC na transição de governo, os negociadores do governo argumentaram que os gastos apenas ficariam estáveis em relação a 2022. “A despesa saiu de 17,7% do PIB em 2022, para 18,7% em 2023, quebrando a sequência da redução do gasto primário do governo observada nos governos Temer e Bolsonaro com o antigo teto de gastos”, diz.

Para ele, o desafio para 2024 será a discussão sobre a manutenção ou não da meta fiscal será mantida e o tamanho do contingenciamento, mas o problema maior vai aparecer em 2026, quando regras como a política de valorização do salário mínimo e os pisos constitucionais de saúde e educação começarão a pressionar o limite de gastos do novo arcabouço fiscal.

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