O governo federal não conseguiu esconder um dos números mais duros do cenário educacional brasileiro: apenas 59,2% das crianças da rede pública foram alfabetizadas até o fim do 2º ano do ensino fundamental em 2024. A meta — modesta, diga-se — era de 60%. Fracassamos.
Diante da frustração, o Ministério da Educação apressou-se em apontar um culpado externo: o Rio Grande do Sul, que, devastado pelas enchentes no primeiro semestre do ano passado, viu seu índice despencar de 63,4% para 44,7%. Segundo o ministro Camilo Santana, “se o estado tivesse mantido os níveis de 2023, o país teria chegado a 60,2%”. Ou seja, o problema, mais uma vez, não seria da política educacional em si — mas de um desastre natural.
É evidente que o Rio Grande do Sul enfrentou uma tragédia e que isso impactou diretamente a vida escolar de milhares de crianças. Mas reduzir uma política nacional de alfabetização a um simples “se não fosse” beira a irresponsabilidade. Um programa sério deveria prever, justamente, estratégias para lidar com situações de calamidade — especialmente em um país onde crises sociais, climáticas e institucionais são recorrentes.
A verdade incômoda é que mesmo sem o RS, o Brasil estaria longe de uma alfabetização universal. Oito estados apresentaram menos da metade de suas crianças alfabetizadas — com a Bahia (36%), Sergipe (38,4%) e o Rio Grande do Norte (39,3%) ocupando os piores lugares do ranking. Um retrato alarmante da desigualdade educacional que já não cabe mais em discursos bem-intencionados.
Enquanto isso, alguns estados provam que é possível avançar. O Ceará, por exemplo, alcançou 85,3% de crianças alfabetizadas. Uma vitória que evidencia: quando há planejamento, continuidade e vontade política, há resultado. O que não dá é para aceitar que, em pleno 2025, um país com o tamanho e o orçamento do Brasil continue condenando gerações inteiras ao analfabetismo funcional.
O MEC promete recuperar o tempo perdido, aponta metas futuras, e garante que vai “intensificar” as ações nos territórios mais vulneráveis. Mas quantas vezes já ouvimos promessas parecidas? O Compromisso Nacional Criança Alfabetizada prevê que, até 2030, ao menos 80% das crianças estejam alfabetizadas. O que era para ser ponto de partida, virou horizonte inalcançável.
No fundo, o que falta é justamente o que o próprio ministro disse com razão: uma política de Estado, e não de governo. Mas enquanto a alfabetização for tratada como campanha — e o fracasso, como efeito colateral das chuvas —, o Brasil seguirá atrasado, empurrando a educação pública para os porões da estatística.
É hora de parar de culpar o tempo e começar a enfrentar, com seriedade, as tempestades que se formam dentro do próprio Palácio do Planalto.